Edição 140 – 2013
Sob controle?
Flávio Bosco
 

Regras mais rígidas e novas tecnologias não têm sido suficientes para reduzir índices de acidentes. O funcionamento de um sistema de gerenciamento de segurança depende da correta análise dos riscos e da qualificação da força de trabalho

A sequência de incêndios que atingiram tanques nas usinas Rio Claro, de Caçú / GO, e São Luiz, de Ourinhos / SP, no início do ano, abre um ponto de interrogação sobre a eficácia da metodologia de prevenção de acidentes. Nos dois casos, uma causa comum: a queda de um raio. Mesmo com máquinas mais confiáveis, regulamentações cada vez mais restritivas e maiores recursos destinados à segurança operacional, acidentes continuam a ocorrer. De acordo com o Anuário Estatístico do Ministério da Previdência Social, feito com dados de 2011, em um ano a produção de açúcar e etanol registrou 21,8 mil acidentados. Reduzir esse índice não é uma tarefa fácil. Num setor tão complexo – que reúne um grande número de pessoas operando com sistemas altamente energizados, torres trabalhando a altas pressões e temperaturas, líquidos inflamáveis percorrendo tanques e dutos – o problema vai além da implementação de sistemas de gestão de segurança.

Outros fatores também são determinantes para a ocorrência de acidentes – como requisitos de manutenção, inspeção, projetos, operação, gestão de mudanças e qualificação de pessoal. Primeiro é necessário entender porque os acidentes acontecem – e aprender com eles. Fatores isolados, no entanto, raramente possuem força suficiente para provocar um acidente – mas uma sucessão de erros, que podem variar desde uma análise inadequada dos riscos ou equipamentos mal projetados e mal instalados a procedimentos não seguidos e falhas de inspeção, aumenta as chances de acidentes em uma indústria. As consequências de explosões e incêndios em equipamentos contendo esses líquidos possuem efeitos devastadores. “Evitar acidentes é possível. Para isso, primeiramente é imprescindível pesquisarmos as causas dos acidentes, depois traçarmos um plano de ação para eliminá-las, relacionando diretamente cada medida tomada com a respectiva causa que será eliminada”, destaca o engenheiro Estellito Rangel Jr, especialista em instalações elétricas em atmosferas potencialmente explosivas da Associação Brasileira de Engenheiros Eletricistas e da Associação Brasileira para Prevenção de Explosões. Abrir todos os detalhes dos acidentes não é, digamos, uma prática comum – apesar de ser uma fonte de informação útil para evitar que condições semelhantes possam se repetir em outros locais, as empresas preferem manter as investigações em sigilo, até para blindar de ações judiciais e danos à imagem.

Mas cada acidente de grandes proporções tem o poder de desencadear a revisão de normas e procedimentos na busca por melhorias. Estellito lembra que instalações de armazenamento de combustíveis necessitam cumprir, além de requisitos técnicos, requisitos legais, como a Norma Regulamentadora NR-20, do Ministério do Trabalho e Emprego. Essa norma, repaginada no início do ano passado, estabeleceu a verificação e monitoração da instalação com relação ao projeto, a execução de análises de riscos e plano de prevenção e controle de acidentes – e a capacitação técnica dos trabalhadores. Um de seus itens trata especificamente da atualização dos projetos existentes com a utilização de metodologias de análise de riscos, para identificar a necessidade de adoção de medidas de proteção complementares. “Instalações antigas devem sofrer uma auditoria para identificar os pontos nãoconformes para com a nova Norma Regulamentadora e um cronograma de adequação deve ser estabelecido”.

Nos casos descritos no início dessa reportagem, o requisito legal seria a Norma Regulamentadora NR-10, que trata de segurança em instalações e serviços de eletricidade, enquanto as normas NBR 5410 – para rede elétrica em baixa tensão – e NBR 5419 – para proteção de estruturas contra descargas atmosféricas – seriam os principais requisitos técnicos. “Quando da ocorrência de eventos desta natureza há um interesse em se estudar as causas e a tomada de medidas de controle segundo as normas tecno-legais vigentes”, conta o diretor executivo do Grupo de Saúde Ocupacional da Agroindústria, João Augusto Ribeiro de Souza. Prevenir é melhor (e mais barato) No Brasil, as Normas do Ministério do Trabalho – como a NR -10, NR-12, NR-13 e NR-20 – e da ABNT, e a tradução da IEC 61511 têm impulsionado a indústria para a busca de uma postura mais segura. A substituição do seguro de acidentes pelo Fator Acidentário de Prevenção também despertou a atenção da indústria para mais um item na lista de vantagens de investir em prevenção. As empresas também passaram a comparar os custos envolvidos na prevenção com as despesas geradas em acidentes.

A visão do overall equipment effectiveness - OEE, que poderia ser traduzido por eficiência global de equipamentos, tem ajudado nisso, bem como os princípios do Layer of Protection Analisys - Lopa – em que as camadas de proteção são analisadas. Segundo levantamento do Center for Chemical Process Safety, um bom sistema de segurança melhora até 5% o processo, reduz em 3% os custos de produção e em 5% os de manutenção. Em alguns casos, pode reduzir consideravelmente os custos com seguro. Colocar em prática as dezenas de itens que fazem parte das NRs, no entanto, não é nada fácil – para os projetos já em operação, os desafios são ainda maiores. Mais difícil ainda é mantê-las sempre atualizadas a cada alteração no parque industrial ou a cada revisão da norma. A maior dificuldade reside na identificação dos riscos existentes na instalação, operação e manutenção. Como não existem soluções prontas, os sistemas de segurança precisam ser desenhados a partir da realidade de cada usina. Ao não mapear seus riscos, a usina “brinca com fogo”. O diretor executivo do GSO explica que fazer análises de riscos já uma prática em andamento tanto nas áreas industriais como agrícola, manutenção e logística. “Estamos entrando num clima de entrosamento entre as áreas de SST e operacionais”. A NR-12, por exemplo, que trata da segurança em máquinas e equipamentos, também exige a elaboração de análises de risco e manutenções periódicas – no final do ano passado, técnicos do Ministério interditaram três usinas em Pernambuco que não estavam cumprindo a norma.

Sua versão mais recente, publicada em 2010, está passando por uma revisão que deverá alterar seu formato e atualizar o conteúdo. Muitas vezes, o risco pode estar nos próprios equipamentos que cuidam da segurança, que estão cada vez mais complexos – a falta de capacitação faz com que os técnicos configurem ou operem os sistemas de forma incorreta. Metodologias como Hazard and Operability Studies - Hazop, Failure Mode and Effects Analysis - FMEA e Análise Preliminar de Riscos - APP são importantes para reconhecer o risco, avaliar e implementar as soluções que podem torná-lo aceitável – apesar de serem, essencialmente, cálculos matemáticos, essas análises estão fundamentadas no know how dos técnicos. “O fator humano tem papel fundamental nesse contexto, pois são as pessoas que fazem acontecer. Para isto, precisamos de gerentes conscientes, que entendam que, se o negócio é vital, a empresa tem que ser preservada. Uma explosão simplesmente pode levar à ruína não só a empresa, como o município onde está instalada – uma vez que a economia dos pequenos centros giram em torno destes empreendimentos.

E a NR-20 confirma a importância do tema ao exigir, no item 20.12 que “o empregador deve elaborar plano que contemple a prevenção e controle de vazamentos, derramamentos, incêndios e explosões”. Isso leva à filosofia de priorização da segurança como o meio principal para a preservação do negócio”, destaca Estellito. A maior falha das empresas, segundo o engenheiro está na “cultura da prevenção” – desenvolvida pela linha de comando, e que se revela na forma como os projetos são conduzidos e os operadores e técnicos de manutenção são capacitados. “Percebemos que os projetos priorizam detalhes funcionais, e pequenas alterações que visariam maior segurança da instalação são difíceis de serem introduzidas, com base apenas no custo da aquisição dos componentes necessários. Também é muito comum encontrarmos as equipes de operação reduzidas a um ‘mínimo minimorum’, além de profissionais de manutenção ‘generalistas’, que cuidam de mais de uma especialidade, como mecânica e instrumentação, por exemplo.

Como resultado, os conhecimentos destes profissionais são mais superficiais que o requerido”. Apenas essas atualizações das normas técnicas já seria motivo suficiente para colocar os técnicos de volta à sala de aula. Mas as novas edições dessas NRs tomaram como premissa que o conhecimento do operador precisa evoluir na mesma velocidade que a tecnologia, e adotaram a capacitação técnica dos profissionais, com treinamento específico, como obrigatoriedade sujeita a penalidades. Os dois incêndios, nas usinas Rio Claro e São Luiz, mostram que o risco, assim como os raios, não escolhe local ou porte de usina – e também põem em cheque a teoria de que os novos grupos imprimem uma visão mais moderna à manutenção. Saber como e por que os acidentes acontecem é questão de entender a complexa dinâmica dos riscos – já que eliminá-los é impossível. “O setor de petróleo sofreu muito para atingir o nível de segurança atual. Todos os acidentes geraram novos requisitos para projeto e operação de instalações petrolíferas. É muito importante que o setor sucroalcooleiro não espere aprender com processo similar, pois foi às custas de muitas vidas que o setor petróleo implantou modificações para uma gestão mais segura em suas instalações”, finaliza Estellito.




 
 
LEIA A MATÉRIA NA ÍNTEGRA NA EDIÇÃO IMPRESSA

Desejando saber mais sobre a matéria: redacao@editoravalete.com.br
NA EDIÇÃO IMPRESSA


Acontece nas usinas

- Raízen lança programa de relacionamento com fornecedores de cana

- Biosev aposta em safra alcooleira

Atualidades


- Setor discute desafios e perspectivas durante Ethanol Summit 2013

- Safra em ritmo intenso